O IPCC tem feito relatos minuciosos sobre os impactos ambientais, sociais e econômicos da mudança do clima. Os custos serão maiores para os países pobres, sem recursos financeiros e capacidade técnica para fazer face aos danos. Áreas costeiras são particularmente vulneráveis, não apenas à elevação do nível do mar, mas também aos eventos extremos. Tempestades tropicais, furacões, inundações, assim como ondas de calor e secas estão ocorrendo com intensidade e frequência cada vez maiores. Uma análise recente de eventos extremos ocorridos a partir de 1980 revela que estes triplicaram no período entre janeiro e agosto de 2010 em relação àquele ano, assim como os custos financeiros, segundo dados divulgados pela companhia de seguros alemã Munich Re[4].
Ao mesmo tempo, a responsabilização dos diferentes atores sociais tornou-se mais objetiva e, embora as negociações sobre mudanças climáticas sejam realizadas no âmbito de nações, cientistas e tomadores de decisão reconheceram a necessidade premente de mobilizar o conjunto da sociedade no enfrentamento ao problema. Já não se trata mais apenas de cumprir acordos formais, mas de promover um esforço efetivo pela mudança radical do padrão de desenvolvimento baseado na queima de combustíveis fósseis.
Dentre os atores relevantes, governos locais merecem destaque. Além da vulnerabilidade às mudanças do clima - uma vez que os impactos em áreas urbanas são potencializados, atingindo infraestrutura viária e sistemas de abastecimento e saúde pública, por exemplo - existem inúmeras razões para que prefeituras, departamentos municipais, administrações distritais e metropolitanas se engajem efetivamente nessa luta contra as consequências do aquecimento global. Bastaria considerar alguns números: segundo a ONU, já em
As cidades têm liderado cada vez mais a ação climática que exige políticas públicas adequadas para implementação de medidas, tanto de mitigação como de adaptação. Cidades têm um papel estratégico para a redução de emissões de GEE, por sua capacidade de disseminação de informações, além de poder de ação e agilidade. São ainda laboratórios dinâmicos para testar as inovações tecnológicas que impulsionarão a “economia verde” necessária ao desenvolvimento sustentável. Nessa transição, as cidades devem dar o exemplo por meio de uma gestão urbana responsável e eficiente no controle de sua “pegada de carbono”[5], ao mesmo tempo em que melhoram a qualidade de vida dos cidadãos.
Cientes de sua responsabilidade e capacidade, autoridades municipais têm se mobilizado, participando de redes, assumindo compromissos públicos em nível internacional e promovendo ações audaciosas para mitigar e se adaptar aos impactos inevitáveis das mudanças climáticas. Revelando ter uma visão que vai além de seus mandatos, muitos prefeitos colocaram-se na liderança mundial ao estabelecer metas e promover ações que efetivamente contribuam para reduzir as emissões das atividades urbanas geradoras dos GEE, como uso de energia, gerenciamento de transporte e gestão de resíduos sólidos domésticos.
Em
A campanha CCP foi pioneira e sua rede continua atuante[7], mas várias outras iniciativas de governos locais e estaduais estão em curso para promover a proteção climática, inclusive no Brasil. Em 2009, o ICLEI lançou, em parceria com a cidade de Copenhague, um catálogo de iniciativas locais com mais de 3.000 exemplos de compromissos voluntários e ações pelo clima[8]. Uma rede internacional das 40 maiores cidades do mundo, a C40, fundada em Londres em 2005, tem promovido as iniciativas de suas associadas para reduzir sua “pegada de carbono” com foco no estabelecimento de parcerias publico-privadas articuladas pela Fundação Clinton.
Nova York, a metrópole mundial, lançou um plano audacioso para reduzir suas emissões em 2007 (PlaNYC), atualizado em abril de 2011. Das 127 iniciativas propostas no plano original, praticamente todas foram implementadas até o final de 2009 e cerca de dois terços das metas foram alcançadas no mesmo período, resultando em 13% a menos de emissões de GEE relativamente a
Em novembro de 2010, o prefeito da Cidade do México convocou as cidades do mundo todo para firmarem um acordo em sintonia com as negociações internacionais, em encontro que antecedeu a COP16[9], realizada em dezembro de 2010. As 138 lideranças locais que aderiram ao Pacto da Cidade do México[10] não apenas se comprometeram a atingir metas de redução, como também a manter as informações atualizadas em um banco de dados aberto à verificação sobre os resultados obtidos[11]. Em maio de 2011 já havia mais de 180 signatários do pacto.
Essa mobilização repercutiu também na comunidade internacional. O movimento mundial de governos locais, que culminou em uma iniciativa liderada pelo ICLEI chamada de “Local Government Roadmap”[12], lançada em Bali, durante a COP13 em dezembro de 2008, pleiteava o reconhecimento oficial pelas nações de seu papel na implementação dos compromissos internacionais, a exemplo do que havia ocorrido no início de 2008, no âmbito da Convenção de Biodiversidade (CBD)[13]. O Secretariado da Convenção do Clima da ONU finalmente reconheceu os governos locais como atores relevantes no documento oficial resultante da COP16.
Das cidades em países do Anexo I, além de Nova York destacam-se algumas que têm promovido ações exemplares, seguindo os passos de Toronto. A prefeitura de Chicago implementou um projeto de iluminação pública com LED (diodos emissores de luz), entre 2004 e 2009, alcançando mais de 85% de economia no uso de energia, o que significou menos 7,97 mil tonCO2e e US$ 2,4 milhões por ano para os cofres da prefeitura.
Do outro lado do Oceano Atlântico, Copenhague, Paris e Barcelona implementam programas para aumentar o uso de bicicleta como opção de transporte, com enorme sucesso. A estratégia é dar ênfase à mobilidade, segurança e saúde inerentes a esse meio de locomoção, quando comparado ao uso do automóvel. A opção por medidas mais duras, como o pedágio urbano também tem surtido efeito. Em Londres, em 2008, houve uma redução de 16% das emissões, 100 mil tonCO2. A cobrança da taxa de congestionamento na capital inglesa retirou cerca de 75.000 veículos da área central no esquema iniciado em 2003. Em menos de dois anos a cidade recuperou o investimento inicial de 160 mil libras esterlinas com a receita do pedágio que tem sido investida principalmente em melhoria do transporte público. Em 2005, o valor do pedágio passou de 5 para 8 libras esterlinas e, em
No Brasil, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba também acompanham o passo das líderes mundiais. Realizaram seus inventários de emissões e implementaram diversas medidas para reduzir emissões de GEE. As medidas incluem desde legislação e planos, até ações concretas, como aumentar suas áreas verdes, importantes sumidouros de carbono, e transformar em energia o biogás de aterros sanitários.
A lista de cidades e suas ações é extensa, e continua sendo atualizada constantemente. O importante é que a ideia se espalhe e que os cidadãos, a exemplo de seus líderes municipais, contribuam no esforço mundial de proteção ao clima e à atmosfera da Terra, que, afinal, também é um bem comum insubstituível.
* Este texto reproduz parcialmente o capítulo de mesmo nome da autora, publicado em (2012) Trigueiro, A. , C. Guimarães, D. Mateus et al, Mundo Sustentável 2, Rio de Janeiro: Editora Globo (397pp)
[1] O IPCC, fundado em 1988 pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM) em parceria com o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) é composto por cerca de 2500 cientistas do mundo todo, que fazem um levantamento global do estado da arte da ciência sobre o clima. Em 2008, o IV Relatório do IPCC venceu o Prémio Nobel da Paz, juntamente com Al Gore Jr., por seu trabalho de divulgação do tema de mudanças climáticas.
[2] O filme de Al Gore Jr, “Uma Verdade Inconveniente” de 2007Acao_Loc_LVM_Trig_2011 também venceu o Oscar de melhor documentário em 2008. Outros filmes como “The Age of Stupid” e “Eleventh Hour” continuam a fazer sucesso no You Tube. No início de 2011, estrearam 2 espetáculos teatrais em Londres sobre o assunto – “Greenland” e “The Heretic”.
[3] A Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD (UNCED, da sigla em inglês), realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, também conhecida como Eco 92.
[4] http://www.munichre.com/en/media_relations/company_news/2010/2010-08-05_company_news.aspx, acesso em 26/04/2011
[5] Ver boxe: “pegada Ecológica”, no capítulo “Consumo Consciente”.
[6] As cidades CCP cumprem uma metodologia simples de avaliação de desempenho, pela qual realizam um inventário de suas emissões de GEE (utilizando um software específico baseado nas diretrizes do IPCC), estabelecem metas, elaboram planos de ação climática local e implementam medidas, monitorando e avaliando o progresso periodicamente.
[8] Site do http://www.climate-catalogue.org/
[9] A Conferência das Partes à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP - UNFCCC) é o principal evento político internacional sobre clima, que ocorre todos os anos desde 1995 e discute a implementação da convenção e seus acordos. A décima sexta conferencia das partes (COP16) foi realizada em Cancun, no México.
[12] O Mapa do Caminho dos Governos Locais, de Bali, a Poznan a Copenhague foi um programa liderado pelo ICLEI, reunindo associações mundiais de governos locais e em parceria com redes subnacionais, como a NRG4SD, que reivindicava o reconhecimento de seu papel como atores relevantes nos documentos oficiais, de maneira a validar suas ações, e, com isso qualificar esses governos a receber financiamento para suas iniciativas de mitigação e adaptação no âmbito da UNFCCC.
[13] A Oitava Conferencia das Partes da Convenção de Biodiversidade (COP8-COB) realizada em Curitiba, em 2008 incluiu no seu texto oficial uma menção aos governos locais como atores relevantes na implementação dos compromissos da CBD.