quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Cumprindo compromissos de campanha às custas da saúde do paulistano...

Fim da Inspeção Veicular


Reproduzo aqui, na íntegra, e-mail do Eng. Eduardo Murgel comentando o final da inspeção veicular pela PMSP e a demissão dos funcionários da Controlar por ordem judicial.
“Acabo de ver a notícia de que a partir de amanhã (9/1/2014) os funcionários da Controlar estarão em aviso prévio, visto que no final deste mês, por determinação judicial, encerram-se os trabalhos de Inspeção Veicular em São Paulo.
São cerca de 800 pessoas - famílias - que ficarão sem a sua fonte de renda, sem o seu trabalho, mas não porque tenham cometido algum erro, ou provocado de alguma maneira esta grande crise pessoal que irão passar.  São as primeiras vítimas - inocentes - desta determinação, fruto de uma promessa de campanha do prefeito Haddad.
Na verdade, inicialmente ele havia prometido acabar com a taxa de inspeção, pois considerava injusto que os proprietários de automóveis gastassem 50 reais por ano (menos de meio tanque de combustível) com esta taxa.  Embora de minha parte considere que um dono de automóvel não tenha o direito de alegar que 50 reais por ano possam lhe fazer falta (se fizesse jamais poderia ter um carro), o que de fato é injusto é que se desviem recursos públicos para pagar despesas geradas por proprietários de automóveis.
Ora, vejamos, a política declarada da atual gestão municipal é clara em sua prioridade ao transporte público, com a construção de extensos corredores de ônibus e diversas promessas de investimento neste setor, ao mesmo tempo que dia a dia dificulta a vida do motorista de automóvel, indiretamente incentivando-o ao uso do transporte público.  Por outro lado, utilizou uma fortuna para reembolsar a taxa de inspeção veicular.  É fácil estimar isso, alguns milhões de veículos inspecionados, multiplicado por 47 reais cada, dá dinheiro suficiente para comprar uns tantos ônibus, ou construir terminais, enfim, foi dinheiro que na prática - pela política declarada do prefeito - pertencia aos usuários do transporte público, foi desviado para o bolso dos proprietários de automóveis.  Bela justiça social esta ! 
Mas quando digo que as 800 famílias que perderão sua fonte se renda são apenas as primeiras vítimas, quero lembrar que o restante da população - incluindo-se estas 800 famílias - serão as vítimas mais graves a médio prazo.  Os índices de CO - monóxido de carbono em São Paulo nunca estiveram tão baixos.  O CO é o poluente gerado quase que exclusivamente por veículos automotores, sendo por isso o indicador por excelência da eficácia dos programas de controle de emissões automotivas.  Com o Proconve, implantado a partir do final da década de 80, iniciou-se um lento e gradativo processo de melhoria da qualidade do ar que, após alguns anos, estagnou-se, pois o gargalo passou a ser a manutenção dos veículos em circulação.  Com o Proconve os veículos novos passaram a sair de fábrica emitindo menos, desde 1997 a níveis similares aos europeus e norte-americanos.  Mas isto é apenas o início, pois se estes veículos não sofrerem uma manutenção adequada, em poucos anos de uso os seus níveis de emissão aumentam, pondo a perder todo o esforço despendido pela indústria e governo.  A Inspeção Veicular tem justamente o papel de corrigir isto, fazendo com que os donos de veículos automotores os mantenham adequadamente, garantindo assim que continuem a emitir dentro de suas especificações de projeto.
Desde 2008 - quando se iniciou o trabalho da Controlar - os níveis de CO voltaram a baixar, sendo que nos últimos anos finalmente passaram de "aceitável" para "bom", tendo eliminado totalmente os dias com ultrapassagens do padrão de CO, algo que nunca se viu desde que se iniciou o monitoramento de qualidade do ar em São Paulo, na década de 70.  Enfim, em termos de saúde pública o programa de inspeção veicular foi um total e absoluto sucesso, evitando milhares de mortes precoces decorrentes de enfermidades cardíacas e respiratórias, como comprovado por diversos estudos de renomados especialistas.
Bem, toda a argumentação para a suspensão do trabalho da Controlar é que o contrato venceu em 2012.  Oras, o trabalho de inspeção iniciou-se em 2008 e pelo contrato a concessão do serviço era de 10 anos.  Desde que aprendi aritmética isto daria 2018 para finalização do prazo.  Apenas em 2008 a Controlar recebeu a ordem de serviço da prefeitura para iniciar o seu trabalho...
Mas isto é apenas um detalhe.  O que choca é que foi determinada a suspensão, sem sequer se ter uma idéia de quem ou como será a feita a continuidade deste fundamental programa.  Quem já levou um veículo para ser inspecionado na Controlar sabe muito bem da facilidade disto.  Agenda-se por internet, chega-se na hora marcada, é atendido em um máximo de 15 minutos e, se o veículo estiver em ordem, volta para casa em seguida, com tudo regularizado.  Problemas aconteceram, principalmente nos primeiros anos, quando mecânicos mal preparados "garantiam" que o carro estava em ordem mesmo quando estava com o motor completamente fora de especificações.  Mas, pouco a pouco, a mentalidade geral vinha se adaptando, os mecânicos buscando equipamentos de aferição e treinamento adequados, e a população se conscientizando da necessidade de, pelo menos uma vez por ano, fazer uma correta revisão do seu veículo.
Bem, em 31 de janeiro a Controlar encerra suas atividades, e temos uma licitação aberta para a contratação de nova
s empresas para fazer o trabalho, iniciando do zero, depois de transcorrido todo o tempo de licitação, contestações, julgamentos, contratos, adiamentos, etc., etc., tudo aquilo que estamos acostumados a ver que emperram qualquer obra ou serviço público.

Está se jogando fora um sistema que - mesmo não sendo perfeito - funciona muito bem e atende com qualidade as necessidades da população, com centros de inspeção bem equipados e estrategicamente espalhados pela cidade, operados por técnicos treinados e, em troca, temos a expectativa de, dentro de alguns meses, mas mais provavelmente anos, ver uma nova empresa começar a fazer novamente o que já estava sendo realizado com eficiência até agora.  Trocamos o certo pelo incerto, mas com a certeza de que no mínimo neste ano que se inicia não teremos Inspeção Veicular e, fatalmente, os índices de qualidade do ar irão piorar. 
Ante tantos fatos incontestáveis, e de conhecimento do prefeito, é difícil compreender porque o sr. prefeito manteve esta sua promessa de campanha, se foi apenas por birra com a empresa concessionária, ou foi simples incompetência administrativa. 
O fato é que todos nós iremos pagar esta conta.  Antes de mais nada com a despesa enorme decorrente da ação municipal de assumir os custos da inspeção veicular, aliviando assim em 50 reais os bolsos dos proprietários de automóveis.  Depois, com a inevitável piora em nossa qualidade de vida com o iminente retorno dos níveis inadequados de qualidade do ar.  E 800 famílias já vítimas desta ação impensada...
Finalmente, que ninguém que me lê acredite que não sei do que estou falando, ou melhor, sobre o que estou chorando.
Tive a honra, nos anos 80, como jovem engenheiro, de fazer parte da equipe que elaborou o Proconve.  Depois disso estive por anos na indústria automobilística e nos últimos 20 anos como consultor em estudos ambientais de qualidade do ar e ruído ambiental, além de professor universitário e autor de alguns livros sobre o tema. Em minha trajetória profissional travei conhecimento com o trabalho desenvolvido pela Controlar, o qual passei a admirar pela sua qualidade técnica.
Choro por ver tanto trabalho competente e esforço sendo perdido, desperdiçado por um capricho político.  E a população é que sofrerá as consequências disso, e mais ainda se continuarem a acreditar no discurso demagógico que justificou tudo isso.
Pensem nisso !   Divulguem se concordarem.”




Eduardo Murgel
Engenheiro