sábado, 19 de outubro de 2013

Para os animais, a Lei... Ora, a Lei!

Achei tendenciosa, pobre e sensacionalista a matéria no caderno Metrópole de hoje, sobre o resgate de animais em S. Roque e lamento a orientação do jornal nesse tema.
 
Por sorte posso argumentar de maneira qualificada, pois acompanho esse caso em particular e me interesso pelo bem estar dos animais, assunto no qual o Brasil se encontra atrasadíssimo, quando comparado a outros países. Apenas para lembrar um exemplo: o teste em animais para a indústria de cosméticos é proibido há anos, em vários países. São desnecessários e inúteis na esmagadora maioria dos casos. É isso o que o biotério do Instituto Royal pratica e contra o que se insurgem essas pessoas acusadas de "terroristas" : testes em animais, inclusive cães da raça beagle, para a indústria de cosméticos, sem fiscalização ou controle de fato e ainda por cima com dinheiro público (FINEP).
 
Justifico os principais pontos em que constato o viés parcial e deletério ao grupo de ativistas, fazendo-os parecer um bando de baderneiros estúpidos equiparados aos membros do black block, incorrendo assim em desinformação e desserviço aos leitores do Estadão:
 
1. Tenho informação confiável de profissionais de veterinária (que não fazem parte do grupo que agiu em São Roque e cujos nomes não preciso revelar) de que várias tentativas de denúncia para apurar de fato a situação no Instituto Royal têm sido sistematicamente ignoradas pelas autoridades. A vistoria realizada pelo Ministério Público em 2012, motivada por denúncia,  não apurou nada com certeza porque a empresa foi avisada antes e se preparou para recebe-la.  Chamar de "terrorismo" o que consistiu um ato legítimo de protesto pacífico e resgate de vítimas - realizado em condição de desespero diante do descaso das autoridades - é ridículo, para dizer o mínimo - quase tanto quanto  a acusação de pirataria contra os ativistas do Greenpeace no Ártico... Aliás,é tentador fazer a relação  entre "poder econômico contra idealistas" e "David contra Golias" nesses casos. Não deixa de ser uma imagem eficaz!
 
2; Dizer que integrantes do black block teriam liderado o ato, é uma acusação patética, da parte interessada, que quer desqualificar a ação dos ativistas em defesa dos animais. Triste, porém, é o endosso da reportagem ao destacar a visão da administração do instituto. No próprio texto colocam que "os ativistas negam" mas logo em seguida dizem que "o site oficial dos black blocks comemorou a ação". Sim, claro, foi o que bastou para fazerem a associação com baderna e vandalismo e colococar "Terrorismo" como subtítulo em negrito...
 
3. Ativistas de entidades e cidadãos preocupados têm, sim, acompanhado as atividades irregulares desse Instituto Royal que conta com a falta de fiscalização de fato e a impunidade. Obter cartas da burocracia atestando a idoneidade não compensa a falta de transparência e diálogo com que age o instituto. O local, sem identificação ou transparência sobre o que pratica, não se comunica com a comunidade. Eles fazem o que querem lá dentro, inclusive criar filhotes, o que é proibido no caso desse tipo de indústria - pois é isso o que é, vamos chamar pelo nome - e não uma organização da sociedade civil de interesse público sem fins lucrativos, apesar de ser registrada como oscip para receber dinheiro público. O Royal pode estar "regular" no Concea, mas todos sabemos que credenciamento não significa cumprimento das regras, muito menos se não houver fiscalização.
 
4. Ao contrário do que afirma a jornalista Giovanna Girardi, como se fosse grande especialista no assunto,  testar em animais NÃO é a melhor maneira de testar drogas para humanos. Existe farta literatura a respeito, ela deveria pesquisar antes de escrever uma bobagem dessas, ironizando a empatia que as pessoas possam ter com as imagens da condição dos animais em questão. E o fato de haver protocolos não significa que sejam seguidos, ainda mais por aqui... Testar em animais é apenas uma prática mais barata e fácil no ramo de drogas para quem tem preguiça mental e falta de visão empreendedora para investir em tecnologia. No Brasil também continuam matando boi com marretada na cabeça porque é legal ou porque não se fiscaliza. Mas é moral?
 
4. Quanto a preterir os camundongos, quem conhece ativistas da causa animal sabe que não é descaso. O comentário é mais uma tentativa de desqualifica-los. A ação atabalhoada, com certeza, não foi planejada profissionalmente... Infelizmente não dá para salvar todos, o que não significa que camundongos não mereçam respeito e compaixão, como TODOS os seres vivos.  O fato de se priorizar os cães tem a ver com a escala de sofrimento a que são submetidos: cachorros são animais de matilha, hoje domesticados dependem de convívio com humanos,  aprendem e sofrem mais do que os ratos cuja vida em cativeiro é menos diferente da vida deles na natureza: ainda que seja horrível estarem em gaiolas, essas criaturas são mais solitárias e vivem em tocas, ambientes restritos mais parecidos com o confinamento nas gaiolas. Já os mamíferos maiores precisam de mais espaço, aprendem o comportamento dos humanos, são sencientes e têm vida social ; por isso, quando isolados, têm dor e depressão. Sofrem sim, mais do que os camundongos. Não se trata de "fofura" maior ou menor. Atribuir a ação dos ativistas a isso é simplista e demonstra total desconhecimento sobre a causa em defesa de animais. Pior ainda quando se trata de macacos, como se usa na África, pois é quase como fazer com gente. Usa-se menos aqui, com certeza por ser mais caro...
 
5. Dar destaque na matéria para o fato de adoção ser considerada crime seria cômico se não fosse trágico. A visão mais bárbara e cruel sobre os animais que norteia nossa legislação considera-os  como objetos e não seres vivos perante a lei no Brasil, daí acusarem os ativistas de "furto". A preocupação é patrimonial, e não humanista ou social. Ainda que esteja previsto no Código Penal,  a intenção da matéria é intimidar os ativistas e protetores de animais em geral. Se não fosse, a matéria mencionaria a Lei de Crimes Ambientais também, que em seu Art. 32 tipifica como crime os maus-tratos também a animais domesticados. O papel do delegado é dizer isso mesmo, já um jornal de estatura publicar dessa maneira, isso é que dói...
 
6. Por fim, essa indignação demonstrada pela matéria em relação à depredação da "propriedade privada" do tal instituto é completamente desproporcional, sobretudo quando se compara com o que os baderneiros - inclusive o punhado de estudantes da USP - têm feito com o patrimônio público, sem qualquer consequência de fato para eles.
 
O que estão sugerindo é que se deve agir com rigor de acordo com a letra da lei para punir essas pessoas que fizeram justiça com as próprias mãos na defesa das criaturas desamparadas pelas leis. Já que o jornal é tão zeloso da Lei, poderia questionar a inação, o descaso e a incompetência do Estado para lidar com a questão dos maus tratos a animais, além de ajudar a sociedade civil a combater a impunidade de quem de fato comete crime contra a fauna. 
 
Dito isso, sinto muito, a matéria não convence como sendo neutra, mesmo tendo ouvido outras partes: basta ler com atenção para que a linha editorial fique evidente. 
 
Que tal estimular um debate mais inteligente, pesquisando o assunto, informando de fato e contribuindo para um processo civilizatório que trate com respeito e compaixão todos os seres vivos com os quais compartilhamos a Terra e que nos servem, a despeito da própria vontade?

 

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